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Encontro da UFC debate a filosofia no mundo atual

OBRA do artista Giorgio Chiriro usada na divulgação do Encontro de Pós-Gradução em Filosofia

[09 Novembro 02h44min 2005]

Buscar conceitos que expliquem o mundo em que vivemos é um dos princípios da filosofia. Pensadores como Platão, Sócrates, Hegel e Nietzsche desenvolveram teorias sobre costumes, política e linguagem que podem nos ajudar a compreender melhor os rumos da humanidade hoje. E é para entender a filosofia e tudo o que ela engloba, que os novos filósofos estão procurando meios de massificar as discussões. Para tanto estão realizando cafés filosóficos, programas de televisão e encontros da academia com o público.

Em Fortaleza este movimento acontece através de conferências e palestras realizadas pelas universidades ou mesmo organizações independentes. ''Este processo de introdução da filosofia na sociedade está acontecendo aos poucos, em movimentos isolados nos Estados Unidos e alguns estados do Brasil. Mas ainda existe uma dificuldade da academia em facilitar a compreensão das discussões filosóficas. Pois somos cobrados para escrever textos altamente especializados, que, em geral, são consumidos apenas pela academia'', revela o professor da UFC, José Maria Arruda, também organizador do Encontro de Pós-Graduação em Filosofia do Ceará.

Neste Encontro de Filosofia, realizado pelos mestrandos em Filosofia da UFC, o objetivo é divulgar os resultados das pesquisas de pós-graduação, promover debates e encontros entre estudantes, profissionais e o público. ''Existem discussões acadêmicas essênciais para conhecimento da sociedade, como a morte, a metafísica e os valores. Por esta razão, não podemos adotar comportamentos excludentes na universidade'', completa José Maria.

Para compor a programação com o que se está pensando atualmente na filosofia, a organização do evento reuniu trabalhos de estudantes, doutores e professores do Ceará (Uece e UFC), Rio Grande do Norte, Paraíba, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Segundo José Maria, os trabalhos a serem apresentados no encontro versam basicamente sobre duas linhas de pensamentos, a filosofia abstrada e a concreta. No âmbito abstrado, trata-se da linguagem, do entendimento do ser e pensar, enquanto que a linha concreta trata dos entendimentos filosóficos acerca da política e a ética como é vista hoje.

Estão pautados para discutir tais assuntos, pensadores de renome atual, como Alberto Oliva (UFRJ), José Trindade Santos (UFPB) e Luiz Sahd (UFU). Eles colocam no centro dos debates questões sobre a crença justificada e socialmente causada (Alberto Oliva, dia 11/11, às 19h10); pensamento, linguagem e Ser (Jose Trindade, dia 10/11, às 17h50) e política segundo John Rawls (Luiz Sahd, 11/11, às 12h40).

SERVIÇO: Encontro de Pós-Graduação em Filosofia do Ceará, de 9 a 11/11. Local: Auditório Luis Gonzaga (Av da Universidade, 2995 - anexos da reitoria). Inscrições: R$ 10,00 (graduandos), R$ 15,00 (graduados e pós-graduandos) e R$ 20,00 (pós-graduados, professores e demais interessandos). Informações: http://geocities.yahoo.com.br/encontrofilosofia/

http://www.noolhar.com/opovo/vidaearte/533954.html

 

Caderno 3

Diário do Nordeste

15 de Novembro de 2005. Fortaleza, Ceará.

 

 

João Luís

João Luís

 

José Trindade dos Santos: “O que sabemos é que os valores fundamentais do processo civilizatório estão sendo postos em xeque”

 

 

JOSÉ TRINDADE DOS SANTOS
Desejo, felicidade e razão

A filosofia está na pauta do dia. Pelo menos no Brasil. As editoras lançam inúmeros títulos sobre o tema, universidades promovem encontros e até a televisão descobriu que pode se “morar na filosofia”. Recentemente, filósofos se encontraram em Fortaleza para discutirem Nietzsche e Deleuze. Por sua vez, o Mestrado em Filosofia da Universidade Federal do Ceará promoveu, semana passada, o “Encontro de Pós-Graduação em Filosofia” com o objetivo de divulgar pesquisas e promover debates filosóficos. Um dos convidados, o professor português, José Trindade dos Santos, atualmente ensinando na Universidade Federal da Paraíba, dissertou sobre “Pensamento e Linguagem na Filofosia Grega Clássica”

Trindade, professor de Filosofia Antiga, entusiasmou-se com o Brasil, principalmente por causa das pesquisas avançadas no campo filosófico. Afirma que em Portugal a “filosofia escondeu-se nos muros da universidade” e lá sentiu a diminuição do interesse por parte da população. Ao contrário

 

João Luis

João Luis

 

do Brasil, onde encontrou um vasto campo para seus estudos. Nesta entrevista, José Trindade dos Santos fala da importância da filosofia para se conhecer melhor o homem moderno num mundo fragmentado, individualizado e, principalmente, globalizado, dentro de um sistema econômico imperativo.

— A filosofia clássica até hoje tem uma grande influência no mundo moderno ou pós-moderno. Por que ainda a civilização Ocidental adota conceitos dos filósofos gregos, como por exemplo, os relacionados ao poder, à felicidade, ao desejo e às artes?

José Trindade dos Santos - Do meu ponto de vista, a filosofia grega clássica - e não somente a grega clássica -, mas a helenística - são essenciais para compreendermos nossos problemas por envolver várias questões até hoje não solucionadas pelo homem. Essas questões persistem como opções fundamentais, não necessariamente ideológicas, em torno da existência. Por exemplo, a questão da felicidade foi injetada por Platão em “A República”, embora ela tenha sido complementada por Tineu, e desenvolvida por outros pensadores. A felicidade, segundo Platão, é simplesmente a idéia ou tentativa de conceber a vida a partir de uma finalidade. Para Platão, esta idéia é essencial. Toda a vida humana deve ser entendida como um conflito entre as necessidades das quais o corpo é portador e a finalidade representada pela razão. Toda ética platônica pretende defender a supremacia e a superioridade da finalidade da razão sobre a necessidade do corpo. Agora, a felicidade tinha um sentido bem diferente, as condições eram outras. Era um mundo politeísta, uma vida determinada por uma unidade de sentido.

— Platão fugia, assim, completamente ao hedonismo?

José Trindade - Platão dizia que o único sentido da vida é a finalidade da vida. Isso bem antes de Cristo. Não há sentido fora disso. Explicando melhor, o que ele deduz é que a vida dos prazeres é apenas um momento de satisfação, sendo vazia de sentido. Portanto, a tese platônica nesse contexto tinha como propósito a finalidade. Finalidade que, no plano ético, resulta na teoria da felicidade. Depois, o cristianismo pega essa idéia e a noção de que a finalidade é algo permanente.

— Mais essa tese ainda se sustenta?

José Trindade - As pessoas pensam que Platão está fazendo uma defesa da felicidade do ponto de vista da ideologia. Neste sentido, a questão torna-se ideológica, sendo objeto de muitas críticas. Nietzsche foi um crítico violento. Para mim, essas objeções consistem num erro de contexto.

A ERA da incerteza

— Os iluministas, por sua vez, também prometeram a felicidade dentro do contexto da razão, naquele momento na crença do desenvolvimento do capital. Quer dizer, com a revolução industrial haveria no futuro uma sociedade mais equilibrada e justa, distante dos mitos medievais, de uma sociedade teológica e militar?

José Trindade - A crítica do iluminismo é, principalmente, ao epicurismo. Epicuro é também racionalista, embora profundamente antiplatônico. O que há de comum entre o epicurismo e o iluminismo é a crítica do medo, a destruição das forças negativas, investidas sobre a racionalidade do mal. Ao mesmo tempo, embute a idéia de que toda posição filosófica é racional, gerando uma perspectiva de futuro. Mas não é a verdade. Pode até ser uma verdade, uma unidade. Ou talvez uma visão fora do real.

— Por falar em verdade, em real. As ideologias estariam no bojo de verdades ortodoxas, enquanto a filosofia seria sempre a busca de novas percepções do real?

José Trindade - A questão da ideologia tem que ser entendida dentro de um contexto da filosofia do início do Século XIX. Em particular sobre todas as polêmicas geradas pelo marxismo. Desde Mikhael Bakhtin, autor claramente soviético, até a escola de Frankfurt, principalmente através de Adorno, Horkheimer e Marcuse. Nosso olhar deve se ater, sobretudo, com relação à pretensa independência total da razão. Estes autores mostram, com clareza, que toda a razão é dirigida.

— Sendo assim, cada período histórico teria sua “razão”. A chamada pós-modernidade vende também uma suposta felicidade. Vivemos num mundo do auto-engano?

José Trindade - As pessoas não estão se auto-enganando. Estão, sim, sendo enganadas pelo discurso do poder e por uma informação que controla toda a compreensão do mundo. Eu entendo, como filósofo e não como professor, o mundo de hoje como um tempo de passagem.

— Como assim?

José Trindade - Porque estamos entre duas épocas. Uma época entre o triunfo da razão, guiada por códigos e valores tradicionais ainda tão caros ao Ocidente. E uma outra de profunda crítica a estes mesmos valores. O que sabemos é que os valores fundamentais do processo civilizatório estão sendo postos em xeque. Não sou profeta para prever se essas críticas conduzirão a humanidade a algo novo ou positivo. Para mim, este momento é negativo. Não de uma negatividade absoluta. Estamos, sim, submersos em forças que não podemos controlá-las. Vamos ver o que ocorrerá. Sou um simples observador.

— Quais seriam essas forças?

José Trindade - São as forças de mercado, do capitalismo selvagem. São as forças que nos fazem depender de acontecimentos marginais como o preço do petróleo, por exemplo. Encaro o neoliberalismo hoje como uma tentativa de reorganização da sociedade a partir de princípios da produção, ou se quiser da produtividade. Do lucro. Da superioridade da conquista - como dizia o velho Hobbes. Vamos ver para onde isso nos conduz. Eu não deixo de crer na capacidade de reformulação e recriação da humanidade. Mas os sinais hoje não se mostram muito positivos.

— O senhor defenderia uma volta ao passado, à tradição.

José Trindade - Eu acho que o caminho do passado está fechado. Só vamos retroceder, acho eu, se houver uma catástrofe e eu espero que não haja. Embora eu não tenha razões nenhuma para ter confiança no futuro, é lá que está a minha esperança.

— E a filosofia tem futuro? Pelo menos no Brasil, a filosofia está na moda. Encontros em universidades se multiplicam, grupos de estudos são formados e até a televisão descobriu a filosofia...

José Trindade - Eu acho que isso é fundamental. Aliás, esta foi uma das razões que me fez deixar Portugal. Lá a universidade está totalmente fechada sobre si própria. Sou professor de Filosofia Antiga e, em especial, senti a crise da falta de alunos. Estudar filosofia antiga não dá emprego, não oferece qualquer espécie de futuro a ninguém. Pelo menos em Portugal. No Brasil, as coisas são diferentes. Encontro muitas pessoas interessadas e interessantes. Vejo a possibilidade de um futuro para a filosofia. Neste encontro como este que estou participando, agora, em Fortaleza, percebo a qualidade dos debates. Venho profissionalmente ao Brasil desde 1996. Comecei por Brasília, passei por São Paulo e Belo Horizonte e, agora, estou no Nordeste. Percebo o imenso potencial brasileiro, sua cultura, o nível das pesquisas no campo da filosofia. Isto me mantém vivo. (JAS)

José Anderson Sandes
editor do Caderno 3

 

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